quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017





IMPACIÊNCIA (quase) CRÓNICA

Eu estava sentada no carro, prestes a sair para ir beber um café, numa daquelas meias horas paradas entre uma coisa e outra. Passou com o filho pela mão. O miúdo teria 4, 5 anos, por aí e ele era novo, engravatado, estilo yuppie. Vestiu-lhe o casaco, falou-lhe suavemente e reparei que tinha qualquer coisa na mão. Parou com o miúdo mesmo em frente ao meu carro e não pude deixar de observar. Estava muito frio nessa manhã e o que tinha na mão era um frasquinho pequeno, de creme com o qual rodeou cuidadosamente a boca e queixo do miúdo. Reparei que o fez com cuidado. Passou-lhe a mão com muita calma, repetindo os movimentos, quase acariciando e no fim deu-lhe um beijinho e compôs-lhe a gola do casaco. Lá seguiram de mão dada para uma escola ali ao lado. Percebi logo que ia levar o miúdo (filho?) à escola àquela hora da manhã.
Ando impaciente, irascível quase... E depois, como sou mais prática do que estética (expressão minha que costumo utilizar para justificar a minha falta de paciência para pormenores lindos, mas completamente fúteis e inúteis), que é o mesmo que dizer impaciente para certos pormenores que só atrapalham e não nos facilitam a vida, deparo-me muitas vezes com a circunstância de achar que há tanta coisa que não faz sentido e na qual todos investimos, investimos, investimos sem fim...
E então é como se me visse ali ao lado, num filme, muitas vezes. É como se a película se desenrolasse ao meu lado e eu estivesse de fora, a ver todos os intervenientes e a achar que tantas vezes é um desperdício determo-nos em tanta coisa sem sentido. Não há paciência para certas coisas, não há mesmo e ultimamente tenho-me sentido assim. Com uma sensação de impaciência crónica, visceral, endémica...
De facto, o espírito prático acelera procedimentos e simplifica questões. Apressa decisões e agiliza aqueles-durante-que-nunca-mais-acabam. E faz-nos (faz-me) lidar tantas vezes com a impaciência, devolvendo-me uma humildade de que também preciso quando lido com outros diferentes de mim.
E então, a lembrança daquele pai a fazer aquele gesto àquele filho, fez-me lembrar um post velhinho, velhinho, de 2012 e quase senti ali o cheiro a Mustela, ou outro creme que tal. É que sim, eu sei que na verdade e apesar de tudo, não são só as mães que fazem isto e aquele gesto, visto do banco do meu carro, na pressa, minha e deles, da manhã, eterneceu-me. E desejei, a sério, desejei mesmo que a impaciência de que se tem povoado a minha existência nos últimos tempos, não me faça perder a capacidade de me continuar a encantar com gestos destes que tais. Todos, com cheiro a Mustela.








*Yuppies é uma expressão inglesa que significa "Young Urban Professional", ou seja, Jovem Profissional Urbano. É um termo usado para se referir a jovens profissionais entre os 20 e os 40 anos de idade, geralmente de situação financeira intermediária entre a classe média e a classe alta.
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