sexta-feira, 18 de outubro de 2013




SALADA DE FRUTAS






Gosto de pêras, de maçãs, de uvas, de melão, de pêssegos, de morangos, de figos, de laranjas, de ti...
De mim? Então achas que eu tenho cara de fruta???
Um sorriso maior que ela iluminou-lhe a cara... e eu acho que percebi a resposta!!

(Diálogo entre mim e a A., de 5 anos)


Era uma casa com ar familiar. Tinha umas escadas grandes com chão de pedra e um corrimão de madeira dos dois lados, no qual eu gostava de deixar escorregar a mão enquanto descia, levada pelo meu pai, ou pela minha mãe. O chão cheirava a encerado e era sempre brilhante e muito limpo. Havia sempre quadros bonitos na parede, com paisagens, ou caras de pessoas e bordados de ponto cruz e também arranjos de flores secas. O ar paira-me na lembrança, as escadas, os quadros nas paredes, o recreio lá fora, onde se repete como um beat teimoso, a algaraviada que as crianças faziam lá fora. De vez em quando tocava a campainha e era uma mãe, ou um pai que chegava. Aí, limpavam-nos a cara, o nariz e as mãos, penteavam-nos e lá íamos embora, mais compostos ao fim de um dia de escola. Mas do que me lembro mesmo, mesmo como se fosse hoje e como se estivesse ali ao lado no meu forno, é do cheiro do pão torrado que a cozinheira punha em grandes tabuleiros retangulares, já cortado em fatias e já barrado com manteiga. O efeito do calor do forno já quente, naquela manteiga e naquele pão, atravessaram décadas comigo e hoje, fazem-me sorrir sozinha quando recordo aqueles finais de tarde de Jardim-de-Infância!
Devo ter, lá ao fundo, outras recordações dos meus tempos de pré-escola, certamente que sim, já que fiz o percurso normal de três anos de Jardim-de-Infância, o que, na época, não era assim tão comum como é hoje, mas é disto, deste cheiro do pão, que me lembro, a par de algumas caras/rostos que me ficaram para sempre. Ainda hoje recordo aquele cheiro e também alguns sorrisos.
E é assim: a ternura vem sim, selada com cheiros e sorrisos, no fundo, com afetos e estes, são ABSOLUTAMENTE estruturantes para a edificação da personalidade futura. O Pré-Escolar é um percurso com etapas claro, com objetivos e competências a atingir e desenvolver e deve ser visto e considerado com exigência e rigor técnico, mas é um período florido da vida dos meninos e das meninas que devem poder ter consigo, durante os seus dias, pessoas crescidas que lhes sorriam, que os tratem com carinho, que os considerem e que com eles se relacionem de forma ternurenta. E isto sem "paternalizar" em excesso, sem os "estupidificar", porque são tão queridos, tão pequeninos, tão fofinhos
Sei que as escolas estão diferentes do que eram... também os meninos e meninas, também os pais e as mães. Sei que os horários das famílias mudaram, as avós e os avôs trabalham ainda, muitas vezes para ajudar a sustentar a família que é desorganizada, ou mais fragilizada. Sei que os afetos vão estando diferentes e que há a tendência para achar que não são importantes, já que o imperioso é o saber, saber, saber; mas pronto, mea culpa, é aqui nestas idades que a ternura salta ainda pelos poros e pelos olhinhos que brilham para nós e é aqui nestas idades que percebemos que haverá sempre coisas que não passarão de moda, ou não deixarão se ser importantes! Não me cansarei nunca do o dizer, assim como não me cansarei de sorrir quando me lembro da frase que transcrevo no início deste post. Este sorriso vem, não pelo elogio que poderá estar implícito no pequeno diálogo, mas sim pela certeza de que, para estes meninos e meninas que agora me dizem coisas destas, poderei estar a ser uma pedrinha importante no seu muro de afetos e quem sabe um dia, no futuro, já com filhos, possam recordar-me, ainda que de forma difusa, pouco nítida e perdida num cantinho da memória, mas doce, doce como uma salada de frutas!!

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